Almoçávamos num restaurante simples e simpático, sentados numa mesa na calçada, separados dos transeuntes por uma grade. Entretidos na conversa, não percebemos quando parou à beira do portão um homem alto, moreno, maltrapilho e nos fitou, pedindo, então, a comida que havia sobrado da nossa refeição. Virei-me para o outro lado à procura da garçonete, para pedir-lhe que colocasse tudo numa vasilha que ele pudesse levar. Ela não me via, custou um pouco a me atender. Passaram-se alguns segundos ou minutos algo desconfortáveis para todos e antes que ela viesse a mim ele se foi. Não sei como ele interpretou meu gesto, penso agora. Ficamos ali sentados, instalado o desconforto, marcados pelo resto de orgulho daquele homem, resto engolido para ele pedir o nosso resto de comida, mas que serviu para tentar, talvez, preservar seu resto de dignidade. Talvez - talvez - aquela incômoda espera, aquela momentânea e fugaz convivência, significaria ter que aceitar outros restos de nós, os que sentamos confortavelmente do outro lado da grade.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Caminheiro do banal
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Academia
Durante a estadia em um outra cidade, não quis abrir mão dos exercícios e resolvi frequentar temporariamente uma academia próxima. Ambientes sempre iguais esses. Ou não.
Aqui estou no meio de muitos homens assumidamente gays e muitas mulheres arrumadas, que não tiram as jóias para exercitarem-se, a desfilar por entre os aparelhos de musculação. Uma menina pequena, cujo corpo escapa ao estereótipo de "rata de academia", tem estado lá todos os dias a correr desesperadamente na esteira numa velocidade que parecia alta demais para suas curtas pernas, saindo dela para outro aparelho aeróbico e depois outro. Um rapaz esguio fez-me sorrir discretamente pois corria tal qual uma gazela, passos largos, a erguer alto aos pernas, pescoço esticado. Percebo que a maioria não se alonga, os que o fazem são rápidos e displicentes. Estranhamente, são muitos os que entram e saem sem transpirar, tendo feito apenas algumas séries de musculação e aproveitado a academia mais como espaço de convivência do que como outra coisa. Não há instrutores, a não ser um único que circula pelo salão e tem ar de dono do lugar. Todos olham-se a si mesmos e reciprocamente, namoram-se, invejam-se, orgulham-se. Culto ao corpo, a meca pós-moderna da saúde(?) e da vaidade. Uma academia típica, como outra qualquer.
Aqui estou no meio de muitos homens assumidamente gays e muitas mulheres arrumadas, que não tiram as jóias para exercitarem-se, a desfilar por entre os aparelhos de musculação. Uma menina pequena, cujo corpo escapa ao estereótipo de "rata de academia", tem estado lá todos os dias a correr desesperadamente na esteira numa velocidade que parecia alta demais para suas curtas pernas, saindo dela para outro aparelho aeróbico e depois outro. Um rapaz esguio fez-me sorrir discretamente pois corria tal qual uma gazela, passos largos, a erguer alto aos pernas, pescoço esticado. Percebo que a maioria não se alonga, os que o fazem são rápidos e displicentes. Estranhamente, são muitos os que entram e saem sem transpirar, tendo feito apenas algumas séries de musculação e aproveitado a academia mais como espaço de convivência do que como outra coisa. Não há instrutores, a não ser um único que circula pelo salão e tem ar de dono do lugar. Todos olham-se a si mesmos e reciprocamente, namoram-se, invejam-se, orgulham-se. Culto ao corpo, a meca pós-moderna da saúde(?) e da vaidade. Uma academia típica, como outra qualquer.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Catador em São Paulo
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Ao lado
Viagem interestadual de ônibus, cerca de 1000 km para quem vai fazer o maior trajeto. Muitas senhoras de idade, duas delas sentadas próximas a mim. Reparo que muitas usam tênis, mesmo que destoe da roupa que usam, certamente pelo conforto que merecem os pés que já caminharam tanto. Uma delas sentada do outro lado do corredor, viaja com o marido, que apresenta alguma surdez e um problema de memória, pois pergunta a mesma coisa a ela várias vezes, ao que ela sempre responde pacientemente, rindo para nós. Bem-humorada, refere-se a ele em tom de brincadeira como o seu "bebezão". "Não é fácil viajar com esse meu 'malão'!", ria-se.
Sentávamos nas primeiras poltronas, tendo inteira vista da estrada e mais uma vez ela demonstra boa disposição: "Mas olha que boa essa estrada reta para caminhar a pé, né?". Tão boa companhia, nunca desagradável, do tipo que faz-nos sorrir sinceramente, por dentro e por fora. "Morei 25 anos em São Paulo e não queria sair de lá de jeito nenhum. Depois que saí, nunca mais quis voltar", contou, ao que respondeu apenas com um "hum" a outra senhora sentada ao meu lado, um pouco mais nova e com características físicas indígenas, todo o tempo seca, embora nunca mal-educada. Respondia às tentativas de conversa da primeira com simples "sim", "não", "é...".
Gente.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Braga
Estou em Braga, uma cidade nortenha de Portugal. O que é Braga? Braga é a história - especialmente de fácies religioso - com um enxerto da modernidade e, aqui perto do meu hotel, com a presença da McDonald's. A bela arquitectura portuguesa é abraçada pela globalidade viária. Tenho wireless num hotel que faz docemente lembrar uma castelo ou o interior de uma abadia e cuja sala de refeições tem o gótico beijado pelo néon da actualidade.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Hippies
Sinal fechado, atravessa a rua um casal com 3 crianças pequenas, uma delas no carrinho de bebê. O pai leva uma pela mão e outra no colo. A mãe empurra o carrinho e carrega um painel de pano onde expõe as bijouterias artesanais que provavelmente ela mesma faz. Estão um bocado sujos - mas não maltrapilhos -, provalmente por sentarem no chão das calçadas e das praças onde expõem seus trabalhos. Sentam-se numa lanchonete na esquina, ofertam aos que ali estão. Hippies que não viram nos filhos uma privação, que não deixaram de tê-los para viver sua liberdade 'fora do sistema' tanto quanto acham possível. A criança maior insiste, quer um X-salada.
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